Linha do Tempo
Linha do Tempo
A palavra anfíbio vem do grego “amphi” (ambos, duplo) e “bios” (vida), se referindo ao ciclo de vida bifásico da maioria das espécies, cujos ovos e larvas permanecem na água enquanto os adultos têm vida terrestre. Embora existam muitas exceções a esse padrão, venha conferir um pouco sobre o ciclo de vida dos anfíbios anuros.
A maioria dos girinos presentes no Pampa se desenvolve em ambientes lênticos (poças, açudes, banhados e campos hidromórficos), enquanto poucos podem ser encontrados em ambientes lóticos (riachos) e não há registros de girinos em fitotelmos (água acumulada em partes aéreas de plantas) em nossa região. Os ambientes de desenvolvimento dos girinos podem variar quanto à duração (desde efêmeros, até temporários, semipermanentes ou permanentes), bem como quanto ao tamanho e à complexidade estrutural associada aos corpos d’água.
A maioria dos anuros presentes no Pampa deposita desovas aquáticas (por exemplo, na superfície da lâmina d’água, associadas ao fundo dos corpos d’água, ancoradas à vegetação aquática submersa, ou ainda em ninhos flutuantes de espuma). Os ovos podem conter reserva energética (vitelo) cuja importância e duração variam entre as espécies. Após findadas as reservas energéticas, os girinos se alimentam ativamente na água até a metamorfose.
O ciclo ancestral de vida bifásica dos anfíbios inclui um estágio larval aquático e um estágio adulto (normalmente terrestre ou semiterrestre). Todas as espécies de anuros registradas no bioma Pampa apresentam fase larval (girino), mas existem distintos grupos de anuros ao redor do planeta que atualmente apresentam desenvolvimento direto, ou seja, dos ovos resultam miniaturas dos adultos, sem a fase larval clássica. A transição da fase de girino para a fase adulta compreende o período de reorganizações morfológicas, fisiológicas e comportamentais denominado metamorfose. Mas o desenvolvimento larval rumo à metamorfose pode ser compreendido como um processo gradual, representando um continuum.
O tempo até a metamorfose completa pode variar desde poucas semanas, meses ou até mesmo anos (em poucos casos), a depender da espécie e ambiente.
As mudanças anatômicas acompanhando o processo de metamorfose dos anuros incidem principalmente sobre: a região bucal (desaparecimento do disco oral e estruturas queratinizadas, aumento da boca, desenvolvimento dos dentes, desenvolvimento da musculatura bucal e lingual), faríngea (remodelamento e encurtamento da faringe, desaparecimento das brânquias, modificações do aparato hióide e aparato branquial para suportar a língua), as vísceras (redução do pâncreas e intestino, maturação dos pulmões e aumento do estômago), a pele (aumento no número de camadas de células epidérmicas, mudanças no padrão de pigmentação), o esqueleto (reabsorção da cauda, desenvolvimento do uróstilo, remodelamento do esqueleto craniano) e os órgãos sensoriais (desenvolvimento da orelha média, remodelamento e crescimento dos olhos e músculos acessórios).
O desenvolvimento larval dos anuros pode ainda ser dividido em três períodos metamórficos, conforme a regulação de hormônios tireoidianos (tiroxina):
- Pré-metamorfose: acentuado crescimento do corpo e poucas mudanças na forma.
- Pró-metamorfose: surgimento dos membros posteriores e crescimento mais lento do corpo.
- Clímax metamórfico: período de mudanças radicais que culminam na perda da maioria das características larvais. Compreende o período desde o início até a finalização da reabsorção da cauda, bem como a emergência dos membros anteriores. O clímax metamórfico tende ser muito rápido, já que a vulnerabilidade à predação pode ser alta enquanto as larvas têm pernas e cauda ao mesmo tempo, o que dificulta a locomoção.
Durante a estação reprodutiva típica de cada espécie, os machos visitam corpos d’água (poças, riachos, banhados, açudes e campos hidromórficos) no Pampa por algumas noites ou vários meses, onde cantam, atraindo as fêmeas para a reprodução. As vocalizações podem ainda servir para anunciar aos machos competidores sobre o território dos machos já estabelecidos. As fêmeas podem selecionar o melhor macho para a reprodução através de informações contidas nas vocalizações dos pretendentes. Em seguida, o casal forma uma espécie de abraço chamado amplexo, com o macho posicionado no dorso da fêmea (Figura 8), o que culminará com a liberação e a fertilização da desova pelo casal (Veja Tipos de Desovas).
Nesse período, pode haver combate físico entre machos na disputa pelos melhores locais de atração e/ou desova ou ainda disputa física direta pelo acesso à fêmea (Figura 9).
Referências Bibliográficas
Tipos de Desovas
CRUMP M. 2015. Anuran Reproductive Modes: Evolving Perspectives. Journal of Herpetology 49(1): 1-16. http://dx.doi.org/10.1670/ 14–097.
HADDAD CFB & PRADO CPA. 2005. Reproductive modes in frogs and their unexpected diversity in the Atlantic Forest of Brazil. Bioscience. 55(3):207–217.
WELLS KD. 2007. The Ecology and Behavior of Amphibians. University of Chicago Press, Chicago, 1148pp.
Desenvolvimento Larval
Duellman WE & Trueb L. 1986. Biology of amphibians. Johns Hopkins Press.
McDiarmid RW & Altig R. 1999. Tadpoles: the biology of anuran larvae. The University of Chicago Press.
Vitt LJ & Caldwell JP. 2014. Herpetology: a introductory biology of amphibians and reptiles. Elsevier Academic Press.
Ambientes de Desenvolvimento Larval
A maioria dos girinos presentes no Pampa se desenvolve em ambientes lênticos (poças, açudes, banhados e campos hidromórficos), enquanto poucos podem ser encontrados em ambientes lóticos (riachos) e não há registros de girinos em fitotelmos (água acumulada em partes aéreas de plantas) em nossa região. Os ambientes de desenvolvimento dos girinos podem variar quanto à duração (desde efêmeros, até temporários, semipermanentes ou permanentes), bem como quanto ao tamanho e à complexidade estrutural associada aos corpos d’água.
Figura 1. Tipos de ambientes aquáticos usados para o desenvolvimento dos girinos no Pampa: A) poças, B) banhados, C) campos hidromórficos, e D) riachos. Fotos: TG Santos (1A, 1C e 1D) , E. Vélez-Martin (1B).
Desova Aquática
A forma mais comum de desova e mais próxima do ancestral é a deposição direta dos ovos em água parada, como poças e banhados, onde os girinos resultantes se alimentam. Enquadram-se aqui os microhilídeos cujas desovas flutuam diretamente na água (Elachistocleis bicolor), os hilídeos com desovas ancoradas à vegetação aquática (espécies dos gêneros Boana, Dendropsophus e Scinax) (Figura 2A-C) ou ainda espécies que depositam ovos no fundo da água (Melanophryniscus spp., Odontophrynus spp., Pseudopaludicola falcipes). O sapo-ferreiro Boana faber constitui uma variação curiosa, deposita seus ovos na superfície da água em piscinas naturais ou construídas pelos machos. Os girinos nascidos ali acabam migrando para as poças quando o nível da água sobe. Por fim, os ovos podem ser depositados em cordões gelatinosos como fazem muitos bufonídeos (Figura 2D). Esses tipos de desovas aquáticas são comumente encontrados em espécies que habitam áreas abertas. Como adaptação evolutiva a esse tipo de ambiente, os ovos apresentam a superfície superior (polo animal) escurecida por deposição de melanina, uma proteção contra os efeitos nocivos da radiação solar.
Já a deposição de ovos em ninhos em espuma é interpretada como uma estratégia contra a dessecação dos ovos e regulação da temperatura, bem como o suprimento adequado de oxigênio em ambientes com alta sazonalidade quanto à temperatura e instáveis quanto ao nível de água. Ou seja, uma tendência de maior independência da água. A espuma tem origem em secreção do oviduto da fêmea e geralmente é batida pelos machos no momento da liberação dos ovócitos durante o amplexo. Se enquadram nessa categoria espécies de leptodactilídeos como Leptodactylus macrosternum e L. luctator, bem como espécies do gênero Physalaemus.
Figura 2. Exemplos de desovas aquáticas de anuros no bioma Pampa: A) desova da perereca Boana pulchella sendo ancorada à vegetação aquática (seta), B) desova da rã-grilo Elachistocleis bicolor flutuando na superfície da água, C) desovas de perereca (Scinax sp.) ancoradas à vegetação aquática, D) desovas de sapo-cururu Rhinella icterica em cordões gelatinosos, E) desova do sapo-ferreiro Boana faber flutuando na superfície da água em piscina construída pelo macho na margem lodosa de poça, e F) desova da rã Physalaemus biligonigerus, em ninho de espuma flutuando na superfície da água.
Desova Terrestre
A segunda grande categoria são as desovas terrestres, que incluem a deposição dos ovos branco-amarelados em nichos de espuma dentro de câmaras escavadas pelos machos no solo úmido. Nesses casos, os girinos se alimentam primeiramente de reserva energética provida pelo ovo e posteriormente à inundação das câmaras pela água, passam à alimentação ativa em poças ou riachos. Experimentos têm demonstrado que os girinos podem ativamente gerar a espuma durante a fase em que vivem no ninho, uma estratégia evolutiva que aumenta a chance de sobrevivência em condições de baixa umidade, uma tendência à terrestrialidade reprodutiva. Exemplos de espécies com esse tipo de desova são as rãs leptodactilídeas Leptodactylus furnarius, L. gracilis (Figura 3), L. latinasus e L. mystacinus.
Figura 3. A) Macho de Leptodactylus gracilis em câmara subterrânea escavada na margem lodosa de uma poça, B) Secção longitudinal em câmara subterrânea de Leptodactylus gracilis, evidenciando ninho de espuma.
Desova Aérea
Existem ainda desovas aéreas, que incluem a deposição dos ovos em ninhos de folhas da vegetação pendente nas margens dos corpos d’água. Junto com os ovos, são depositadas cápsulas gelatinosas que mantém a umidade dos ovos, evitando assim a dessecação. Nesse caso, após alguns dias de desenvolvimento utilizando a reserva energética do ovo, os girinos rompem a cápsula dos ovos, caem em poças ou riachos, onde se alimentam ativamente e completam seu desenvolvimento. No Pampa, esse tipo de desova é encontrado apenas para a perereca-das-folhas Phyllomedusa iheringii (Figura 4), que deposita entre 57 e 216 ovos amarelados por desova, em ninhos que variam de uma até oito folhas.
Figura 4. A) Desova de Phyllomedusa iheringii em ninho de folhas (Myrsine sp.: Primulaceae), evidenciando cápsulas gelatinosas transparentes e ovo amarelado, B) Embriões de Phyllomedusa iheringii se desenvolvendo em ninho de folhas.
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Fases de Desenvolvimento
Existem várias propostas de classificação para o desenvolvimento larval. Vejamos as mais difundidas:
- Embrião = período intracapsular, composto por 20 estágios sequenciais, desde a fertilização e etapas da embriogênese, até o aparecimento dos botões branquiais.
- Filhote = período curto, composto por quatro estágios sequenciais, desde a circulação nas brânquias, alongamento da cauda (incluindo nadadeiras), organização do disco oral, aparecimento do opérculo e espiráculo.
- Girino = período de mobilidade e alimentação, composto por 16 estágios sequenciais cujo início se dá com o aparecimento dos brotos dos membros posteriores, findando com o desaparecimento do tubo anal, enquanto os membros anteriores estão visíveis apenas por transparência do corpo.
- Metamorfo = período final de desenvolvimento, composto por cinco estágios sequenciais, cujo início se dá com a emergência dos membros anteriores e o desenvolvimento da boca, findando com a reabsorção completa da cauda.
Figura 5. Representação de fases comuns do desenvolvimento larval em anuros no Pampa: A) embrião (Elachistocleis bicolor), B) filhote (Limnomedusa macroglossa), C) girino (Dendropsophus minutus), e D) imago ou metamorfo (Boana pulchella).
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Girinos
Os girinos são organismos de morfologia primariamente adaptada para a alimentação, visando alcançar o crescimento máximo. Por essa razão, uma grande proporção da biomassa de um girino corresponde ao trato digestório (Figura 6). Entretanto, muitos fatores ligados à vida no ambiente aquático (Figura 7) podem interferir na taxa de crescimento e tamanho final da metamorfose, como a disponibilidade alimentar, a temperatura e outros fatores físicos e químicos da água, a pressão de predação, o parasitismo e o risco de dessecação dos corpos d’água.
Figura 6. Vista ventral do girino de Melanophryniscus pachyrhynus evidenciando as alças do grande volume intestinal.
Figura 7. Fatores como o dessecamento das poças e a pressão de predação podem interferir na taxa de crescimento e tamanho final da metamorfose dos girinos. Mas nem sempre a resposta ecológica ocorre em tempo: A) girinos de Scinax granulatus não conseguiram completar a metamorfose antes da dessecação da poça, B) imago de Odontophrynus americanus sendo predado por larva de coleóptero aquático (Dytiscidae).
Figura 8. Exemplo de atividades reprodutivas da rã-boiadeira Pseudis mninuta : A) macho vocalizando (note o saco vocal duplo nessa espécie), B) amplexo com fixação do macho na região axilar da fêmea.
Figura 9. A competição pela reprodução: A) combate entre pererecas-da-folhagem Phyllomedusa iheringii durante evento reprodutivo prolongado – dois machos interagem vocalizando e acabam disputando fisicamente o acesso a um bom local para exibição e desova, B) combate físico entre sapos-cururu Rhinella icterica durante evento reprodutivo explosivo – três machos disputam o acesso a uma fêmea presa entre eles.